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The Plucky Squire - Análise 



Ano após ano, a falta de criatividade é mais presente nos jogos de grande orçamento. A busca pela fórmula ideal para gerar lucro sem grandes riscos é o carrasco da expressão criativa. Felizmente, em antítese com os baixos riscos tomados pelas grandes produtoras, os jogos independentes e originais nunca foram tão predominantes e celebrados quanto agora, e The Plucky Squire é um exemplo perfeito disso.


Desde seu anúncio ele chamou a minha atenção pelo quão diferente e inventivo aparentava ser, e a cada material apresentado as expectativas aumentavam junto da ansiedade pela sua data de lançamento. Hoje, finalmente, O Escudeiro Valente está entre nós.


Era uma vez um Escudeiro


Assim como um livro de histórias, vamos começar do início: The Plucky Squire retrata a jornada de Pontinho, o Escudeiro Valente, herói do reino de Mana, que defende as pessoas do vilão Enfezaldo. O enredo é simples, mas essa é justamente a sua intenção, pois ele tenta se assemelhar a um livro infantil. Então o foco aqui é no colorido, no mágico e no divertido, diferente dos tons de cinza que existem entre preto e branco que obras mais adultas tentam desenvolver. Em vez disso, nós jogamos as aventuras narradas neste livro, inclusive, a voz da narração é a única que ouvimos no jogo. Mas, para a alegria de muitos, o game está 100% localizado em Português do Brasil, com direito a uma ótima dublagem do Mauro Ramos, que já deu voz ao Shrek. Por fim, descrever esse jogo de forma breve ou colocá-lo dentro de um gênero não é fácil como pode parecer, pois a variedade de mecânicas e estilos que são abrangidos pela obra é grande, o que faz definições como “aventura” ou “plataforma” serem insuficientes ou até mesmo superficiais. Portanto, essa discussão será aprofundada no texto.


Quebrando a quarta parede, ou seria a quarta capa?


Após um início simples, que segue o roteiro do livro à risca, algo importante acontece: o vilão descobre uma magia que faz com que ele controle o livro, podendo alterar a história como bem desejar, e com isso o protagonista é arremessado para fora. Assim somos apresentados à mecânica principal do jogo: a viagem entre os dois mundos: o que existe dentro do livro, em 2D com visão de cima e um visual cartunesco, e o que está no ambiente externo, onde o jogo fica totalmente em três dimensões e os gráficos se assemelham a uma animação da Pixar. O objetivo de Pontinho é retornar ao livro para se aliar a seus companheiros, que são Barbaluar - o mago da vila que serve como um mentor - e seus dois melhores amigos, Violetta e Batera, para conseguirem dar um fim nos planos do vilão e salvar a história do livro.



Apesar da história não ser o que faz o jogo ser marcante, ela faz um bom trabalho em dar contexto às seções de gameplay, e mesmo que não seja muito original ou surpreendente, o carisma que vem do jeito que ela é contada, o senso de humor da aventura, a boa narração e os visuais cheios de vida dão um toque especial à jornada. Porém, às vezes a condução da jornada pode ficar um pouco invasiva e simplesmente interromper muito as sessões de exploração e quebra-cabeças com diálogos e interações que não parecem essenciais. 


Há momentos em que - sinceramente - uma maior liberdade poderia ser benéfica, dando um respiro para deixar a jogabilidade brilhar por si só como fazem os jogos da franquia Zelda, uma nítida inspiração de The Plucky Squire. Felizmente, isso não chega a ser um grande defeito, pois ele está sempre apresentando novas mecânicas e deixando a jornada fresca, mas pode incomodar quem espera mais liberdade para jogar.



Como citei acima, é difícil definir exatamente que tipo de jogo The Plucky Squire é sem dar spoilers dos seus momentos mais legais. Por isso, tentarei omitir o máximo possível. Essencialmente, o jogo é de aventura e puzzle, bastante inspirado nos jogos 2D da franquia Zelda. Você pode andar, rolar, pular e atacar com a sua espada. O combate é uma grande parte da experiência, mas não é nada profundo - e nem precisa ser - pois o jogo sabe dosar bem as seções de combate e intercalar com outras atividades. Existe um sistema de upgrade que também é simples: durante a exploração você acha lâmpadas, que servem como a moeda do jogo, e com elas você pode comprar melhorias para sua espada e novas habilidades - como arremessar sua arma e usar um ataque giratório. Além disso, podemos adquirir pergaminhos que contêm artes conceituais do jogo.


Na maior parte do tempo resolvemos puzzles, e vários deles envolvem a viagem entre os dois mundos. Isso só é possível encontrando um portal em espiral na cor verde, porque é com ele que podemos transitar livremente e até levar objetos entre os mundos. No decorrer do jogo ganhamos habilidades para mexer com o livro, podendo mudar de página, inclinar para fazer algum objeto se mover, etc. É tudo bem intuitivo e muito criativo. Outro tipo de quebra-cabeça envolve mexer com as frases alterando uma palavra por outra, podendo alterar algum objeto ou cenário com isso. Por exemplo, trocar a palavra noite por dia em uma frase que narra a página atual faz com que o horário mude e resulte em alterações no mapa. São sempre quebra-cabeças bem simples, mas muito criativos, e nunca ficam cansativos ou frustrantes.



Outras mecânicas envolvem mini games que fazem homenagem a jogos clássicos, como Punch Out e outros que prefiro deixar para descobrirem jogando, pois a surpresa é parte da experiência, já que essas partes especiais são alguns dos pontos altos do jogo. Mas é difícil não ficar com a sensação de que elas podiam ser mais bem exploradas e mais interessantes mecanicamente, pois são todas simples, no geral. 


Essa simplicidade está presente em muitas partes do jogo, os conceitos e ideias são mais complexos do que a execução. Por um lado isso é positivo, pois você vê potencial para algumas ideias desabrocharem e evoluírem, mas há momentos que acabam prejudicados porque ficam apenas no básico. Acaba restando o sentimento de que algumas mecânicas foram subutilizadas e tinham potencial de serem ainda melhores.


Escudeiro Valente e Explorador Despretensioso


A exploração é onde a simplicidade pode acabar sendo algo negativo. A estrutura do jogo se resume a intercalar fases fora e dentro do livro, e ambas seguem direções lineares. As do livro trazem mais complexidade devido aos quebra-cabeças, além de algumas sessões serem side-scroller com o objetivo de criar variedade, mas se resume apenas nisso. Elas são simplistas até demais. Não há muitas chances de procurar segredos ou achar locais escondidos, é tudo muito direto e o jogo te guia constantemente - às vezes mais do que deveria. 



Quando alguma barreira se põe entre você e seu objetivo, o jogo te faz sair do livro e te orienta para uma sessão da mesa onde o livro reside. Nesse momento, podemos ter uma noção de como é o Sam, a criança que mora nesse quarto, observando seus brinquedos e decorações, é algo que lembra muito Toy Story. Existe essa relação de consertar a história do livro que é muito importante para o Sam, do mesmo jeito que os brinquedos são para o Andy nos clássicos da Pixar. Toda a parte artística do jogo usa muito bem o cenário para dar essa imersão, cada canto é cheio de detalhes e objetos muito bem modelados. Nessas sessões a exploração fica mais vertical e ampla, mas ainda bem guiada e sem espaço para fugir do caminho principal.


A trilha sonora não é nada espetacular, mas complementa muito bem as fases. Ela tem uma boa variedade, é simpática, então cumpre o seu papel, mas dificilmente alguma música irá ficar na sua cabeça quando não estiver no jogo. O mesmo pode ser dito dos personagens, que são carismáticos, mas seguem vários estereótipos. O que te marca mesmo é certamente a criatividade das fases e como o jogo brinca com vários gêneros diferentes. A duração do jogo também é um acerto, não se estendendo muito mais do que 12 horas. Isso possibilita essa grande variedade de situações sem repetir muitas ideias, deixando a experiência criativa.



Um Indie Valente!


No fim, O Escudeiro Valente atende às altas expectativas. Ele consegue te surpreender e cativar com suas ideias e mecânicas, impressiona pela arte e visuais e pode até tirar algumas boas risadas graças ao texto bem humorado. É um jogo que dificilmente irá brigar com seus concorrentes de orçamentos milionários ou revolucionar a mídia de alguma maneira, mas esse é justamente o ponto que faz jogos independentes serem tão especiais, pois diferente dos jogos AAA - que tentam seguir uma receita para atingir o sucesso, elevar gráficos ao limite e serem produtos primeiro, e arte depois - é nos indies que mora a criatividade hoje. É onde você vê a paixão genuína das pessoas que trabalharam no projeto, que só querem se expressar e criar algo interessante.


E em um ano onde as demissões em massa e o cinismo das grandes corporações são recorrentes, é mais importante ainda reforçar que é desse tipo de jogo que precisamos.






A análise foi escrita por @ceythian


A cópia do jogo foi cedida pela Devolver Digital

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