Quando adquiri o PlayStation 5 em 2023, meu principal interesse era jogar The Last of Us Part II. Porém, o primeiro jogo que joguei no meu console foi Astro's Playroom, pois a ansiedade para ter a primeira experiência no videogame era imensa. E eu adorei aquele joguinho. Ele foi muito além da questão de mostrar os recursos do DualSense, o Astro por si só é uma estrela de personalidade e referências da história de PlayStation como um todo. Eu podia não conhecer a maioria, mas tudo emanava respeito e carinho pelo legado construído desde a década de 90.
Desde então, quis mais do Astro. Um jogo maior - próximo do que temos com a franquia Mario em 3D desde o lendário Mario 64 - era um sonho impossível de imaginar que iria virar realidade em menos de um ano. O anúncio de Astro Bot veio em um State of Play recheado de incerteza e ansiedade pelo anúncio de novos jogos, em um momento que estávamos nos perguntando quem raios queria o tal do Concord. Astro felizmente tomou todos os holofotes com seu carisma e criatividade. A promessa daquele anúncio já era incrível, e é ainda mais inacreditável como o jogo consegue surpreender e ser original desde abrir a mídia física até o último segundo dos créditos.
Montando um PlayStation 5
A missão do nosso robozinho charmoso é reconstruir a nave-mãe dos bots, que é um PS5, porque ela foi atacada e roubada por um alien valentão. A campanha tem uma premissa simples - o que é comum em jogos do gênero plataforma - já que história e narrativa não costumam ser o foco dessas obras. Astro Bot pula de forma segura pelos buracos de enredo, aterrissando com uma história suficientemente original para justificar a sua aventura e cativar o seu público-alvo, que são as crianças. Para os adultos, não sobra muito além de rir das cenas engraçadas e fofas enquanto se emociona com referências aos consoles e acessórios da Sony que podem - e devem - trazer muita nostalgia para os fãs. Acredito que, para ambos, são abordagens sólidas.
Explorando galáxias distantes e familiares
Seguindo uma estrutura linear e objetiva, Astro deve explorar dezenas de planetas em galáxias únicas. Cada uma delas conta com fases grandes e uma fase especial, além das galáxias principais terem várias fases menores que funcionam como desafios curtos e diferentes para aproveitar mecânicas específicas de gameplay.
Sobre as fases que fazem parte da história, há três tipos no jogo. O primeiro e mais comum são fases que se passam em um ambiente específico, como uma praia ou um deserto, e elas exploram essa temática do início ao fim. O segundo são as batalhas de chefe, que são carismáticas, divertidas e apresentam um desafio adequado. Por fim, o terceiro modelo de fase da campanha principal são aventuras temáticas de franquias da PlayStation. Infelizmente, só 6 dos jogos que tanto amamos têm uma fase assim em Astro Bot, mas acho que todos os escolhidos tiveram uma boa caracterização e representação. Eu não tenho dúvida que jogadores mais novos, com pouca experiência em obras fora do mainstream, vão esbarrar em referências que não conhecem, e acho isso ótimo. É uma oportunidade excelente para conhecer clássicos novos e ir atrás de mais se gostar, e as fases são tão legais e construídas para se adequarem a quem estão homenageando que quem conhece os jogos vai apreciar cada mecânica, design e cenário com um sorriso no rosto.
Os planetas de fases extras são liberados conforme você avança na campanha. Tratam-se de desafios específicos para utilizar uma mecânica do jogo, como derrotar inimigos com equipamentos especiais, lutar novamente com um chefe em uma versão mais forte, vencer uma sessão de plataforma focada em pulos na parede, etc. Há uma grande variedade desses planetas e eles funcionam muito bem como uma pausa para as fases longas, permitindo relaxar em algo diferente e curtinho.
Penso que Astro Bot gabaritou na sua estrutura de fases. É difícil criar boas fases distintas em grande quantidade por si só, pois isso exige muita criatividade para pensar em cenários, inimigos e desafios que, além de serem adequados para o momento que são inseridos, também precisam ser suficientemente únicos para que não sejam vistos como uma outra versão de uma sessão anterior. E a Team Asobi foi muito além do feijão com arroz, ela conseguiu criar cada fase de maneira única, intercalando com segmentos extras opcionais e diferentes, tudo com consistência, precisão e recheados de referências que foram pensadas para cada nível. Terminei Astro Bot sem acreditar que não tive uma fase igual a outra. E, sinceramente, fico assustada de saber que ele tem conteúdo gratuito sendo preparado para expandir ainda mais a experiência.
Homenagem ou Nostalgia Money?
Desde que Astro Bot saiu, surgiu um debate controverso sobre a sua moral. A maioria das pessoas amou o jogo, como a performance na crítica e avaliações de usuários demonstrou desde o seu lançamento. A provável indicação para a categoria principal do TGA corrobora esse entendimento. Porém, há uma minoria que contesta parte do mérito do robozinho nisso tudo. Alegam que a obra é um grande “cemitério de IPs” e, na verdade, não é excelente por si só, precisando das memórias de infância dos jogadores para se manter de pé. Apesar de discordar desse argumento, em certos aspectos, essa interpretação tem sentido.
Não é incomum empresas criarem produtos para atrair consumidores específicos. Toda a crítica sobre Pink Money - conceito para definir empresas que tentam aumentar suas receitas vendendo para a comunidade LGBT+ - vem do fato de as corporações não se importarem com causas ou com seus produtos, apenas se eles dão lucro ou prejuízo. Tomando um grau de liberdade criativa, poderíamos dizer que Astro Bot tenta fazer “Nostalgia Money” com as IPs que tiveram uma história com a PlayStation? Na minha perspectiva, essa interpretação é infundada. Grandes títulos recentes como The Last of Us e Infamous não tiveram fases dedicadas. Falando de IPs mais antigas então, temos Gran Turismo, Crash Bandicoot e Final Fantasy sem fases especiais também. Pode-se argumentar que a lendária franquia de JRPGs e o Marsupial não têm planetas temáticos por problemas de licenciamento, mas em todos os casos é bem nítido que o apelo comercial é muito maior do que várias IPs com conteúdo especial em Astro Bot. Fosse tudo por Nostalgia Money, os três exclusivos da própria Sony seriam escolhas mais seguras e rentáveis.
Agora, há uma crítica implícita no termo “cemitério de IPs” que acho que vale ouvir: são várias franquias mortas ou abandonadas, fadadas ao acaso e vulneráveis ao fenômeno de Lost Media, que é quando se perde completamente o acesso a uma obra. Isso é gravíssimo e vai de encontro com diversas reivindicações e queixas que já foram feitas aqui mesmo no PS Talks e em outros portais sobre a temática da preservação de jogos. Não se trata, necessariamente, de exigir que a PlayStation reviva todo mundo de Astro Bot com um jogo novo. Porém, é importante que os títulos já lançados estejam sempre disponíveis e acessíveis nas plataformas atuais, e mesmo com remakes e remasters, é necessário exigir a preservação da versão original. Nesse sentido, admiro ainda mais a Team Asobi e Astro Bot, porque eles escolheram usar seu jogo como mais uma voz em defesa do legado dos videogames que nós tanto amamos. Astro não lucra em cima dos outros, ele estende o braço à eles.
Você é incrível, Astro!
A ambientação de cada planeta é um espetáculo à parte. Para mim, o maior show de personalidade em cada pixel foi quando cheguei na fase do Cassino. A todo momento que estava dentro daquele lugar, com as fichas caindo, as cartas de baralho, as máquinas caça-níquel, eu sentia uma coisa: Persona 5. Quem jogou, sabe exatamente o porquê e o quão importante é essa dungeon, era impossível não reconhecer. E o jogo é tão seguro sobre isso que a única referência direta ao Persona 5 está razoavelmente escondida naquele mundo.
A referência ao sucesso da Atlus é regra da qualidade de design e construção de cenários de Astro Bot. Na verdade, posso até dizer que ele é uma exceção, pois o poder especial da fase - um dispositivo VR que pausa o tempo - também torna a jogabilidade mais próxima de um RPG de turnos: você para, faz o seu movimento, e aí o mundo volta a correr na sua própria velocidade até chegar a sua vez de parar de novo. Um bom RPG de turnos não tem pausas longas, quando se aprende os seus sistemas, o ritmo fica rápido na mesma medida que jogamos Astro Bot. É esse o nível de sutileza que é possível perceber em cada planetinha.
Indo na contramão do Cassino, as fases especiais fazem questão de jogar na sua cara qual jogo elas estão referenciando. Acho que só uma delas fica um pouco deslocada. Não que seja ruim, mas o jogo é o que mais lembra a “PlayStation moderna” dos títulos que tiveram essas homenagens maiores e a gameplay parece só uma versão pior da homenagem a uma das principais franquias que nasceram no PS3. Ainda assim, todas são muito boas, é nítido que a Team Asobi procurou ir além das referências para criar planetas legitimamente originais e inspirados para o universo de Astro Bot.
O DualSense te coloca no controle
Por causa do Astro’s Playroom, nós já sabíamos que o novo jogo seria uma referência do potencial que o DualSense tem. Para começar, acho que o impacto não é o mesmo e isso conta bastante na percepção de quem joga. O Playroom, mais que uma Tech Demo, era a primeira grande criação pensada em torno dos features do controle, com fases inteiras pensadas em recursos que vão dar um trabalhão para serem perfeitamente emulados em um futuro “PSX5”nos PCs daqui umas gerações. Na galáxia em que Astro Bot chegou para o público, esse contexto tira o clima de novidade de muitas mecânicas. A gente já balançou o controle antes, já abrimos e fechamos zíperes com o touch pad, então o que tem de novo?
Bom, o DualSense evoluiu muitos recursos mais simples que aumentam a imersão do jogo. A chuva gera vibrações em cada ponto do controle, como se as gotas caíssem em suas mãos - essa funcionalidade foi inspirada de Returnal. O alto falante se faz presente e cada superfície e ação gera um sonzinho diferente que chega até você e te convence que fones de ouvido não são o acessório mais legal para ouvir tudo que o jogo tem a dizer. A navezinha customizável, recheada de cores que nós pensamos dia sim e dia também se devemos gastar uma grana para adicionar na nossa estante junto dos demais e jogar com uma manete diferente. Em suma, o DualSense está no auge quando Astro mais precisa dele como companheiro.
Um recado para PlayStation e à indústria de videogames como um todo
O lançamento de Astro Bot é muito forte também pelo seu momento na história. Vivemos no ano passado um dos maiores anos da história para videogames, mas o único grande lançamento da Sony foi a sequência de Marvel’s Spiderman. É, nem foi uma IP própria, o que só piora a situação. Mesmo com um 2024 bem mais recheado, é difícil não desanimar com os projetos live-service como Concord que são a grande aposta da Sony para os próximos anos. É triste, mas a situação atual é que nós temos que comemorar o cancelamento e fracasso de cada um desses projetos predatórios e mercadológicos que ficaram de herança da mentalidade vinda da gestão do Jim Ryan para a geração do PlaysStation 5.
O nosso robozinho, felizmente, é um bip de esperança para o futuro dos jogos da Sony. Chega até a ser emocionante pensar no final do jogo e ver que o Astro realmente está disposto a lutar pelos videogames que nós tanto amamos até o fim, mesmo que às custas de si. Aquele gesto me fez chorar porque significa, literalmente, impedir a destruição de todos que estão aqui há décadas, criando memórias e transformando a vida das pessoas, fazendo a alegria das crianças inocentes, arrancando lágrimas de nós adultos. Astro está disposto a fazer o impossível para proteger a todos.
Penso que Astro Bot deixou uma mensagem muito clara para os videogames em 2024: a criatividade, a sinceridade e o carisma do mascote importam muito mais do que passes de batalha ou recompensas medíocres presas em um paywall caríssimo popularmente conhecido como “tempo livre”. Estimo que a Sony - e a indústria como um todo - aprendam essa lição.
De Tech Demo à Jogo do Ano
É difícil encerrar este texto. Astro acerta tanto que qualquer adjetivo parece pouco para descrever suas qualidades. Ele me mostrou o melhor do PlayStation 5 quando o conheci no Astro’s Playroom, e ainda assim surpreendeu em sua nova aventura. Sua importância para 2024 também é incontestável. Numa realidade onde uma parcela alienada da comunidade gamer reclama que “é só um joguinho de plataforma”, títulos como Astro Bot chegam se impondo como entre os melhores do ano em cima de live-service predatório que ninguém pediu e singleplayers com medo de dar a cara à tapa. São obras como essa que sonho em ver muito mais vezes ao longo da vida. Astro Bot é sensacional e não pode faltar na biblioteca do seu PlayStation 5.
A análise foi escrita por Athena_Wofel A cópia do jogo foi cedida pela Nuuvem
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