O cenário indie de games brasileiros vem se desenvolvendo muito bem nos últimos anos, com títulos como Horizon Chase Turbo conquistando o coração do Brasil e do mundo e mais projetos diversos e promissores nascendo a cada ano. Na minha visão, Asleep veio para deixar a sua marca como um bom jogo nessa ascendente indie brasileira e pode até mesmo ser um dos favoritos para os apaixonados por point-and-click e suspense.
Acordando… ou não?
A história de Asleep começa em um ambiente sombrio, hostil e surreal. Encontramos uma senhora e ela nos fala para enfrentarmos o vazio, a escuridão, que só assim conseguiremos nos livrar dela. Logo após esse momento, Analu - ou Ana Lúcia para os que preferirem - acorda em seu quarto, como se despertasse de um pesadelo. A partir daqui, estamos livres para explorar o quarto e a casa. É um ambiente escuro, na sua maior parte trancado, com a mobília coberta, parece até abandonado e que a cada passo se torna mais perturbador.
Esse contraste da hospitalidade do quarto - um ambiente seguro, pessoal - com um mundo hostil que fica cada vez mais bizarro conforme se aprofunda nele é uma característica que se fará presente durante as duas horas de campanha que o Ato 1 tem a oferecer, e na minha visão foi uma construção excelente, pois reforça o suspense, favorece a opressão da Analu e cria uma atmosfera capaz de questionar se aquilo é realidade ou pesadelo.
Mais que inspirações, homenagens autorais
A influência de jogos como Alan Wake e Clock Tower em Asleep são nítidas e surpreendentemente originais. Para quem leu a minha análise de Alan Wake II aqui no Blog, um dos elementos que elogiei no jogo foi como o desenvolvimento das personagens se alinha com a mecânica do Mind Place. Aqui não há um Mind Place, porém a luminosidade e a construção do cenário mudam de acordo com o estado psicológico de Analu, o que eu achei fantástico. Para preservar a experiência, não posso fazer comentários detalhados desse aspecto, mas indico fortemente que você preste atenção no ambiente conforme a Analu vai pensando nas situações que ela vivencia no Ato 1. É um cuidado com a personagem e o mundo que - além de dar sentido e coesão para o ambiente - reforça a narrativa e desenvolve a protagonista, o que é um forte acerto.
A respeito da conexão com Clock Tower, a interatividade com o cenário, o conceito de sanidade e o desenvolvimento da história - que começa tranquila e se transforma em surreal - lembram constantemente o clássico de SNES. Em jogabilidade, vejo Asleep não só como uma boa evolução do que era o conceito inicial do clássico Clock Tower, mas também como um aprimoramento através da introdução de mecânicas e conceitos próprios. Ainda que nada aqui seja fora de série ou “único”, as boas influências deram um norte sólido e enriqueceram a experiência de Asleep a ponto que eu não o vejo como um “Clock Tower brasileiro”, mas sim como Asleep, um jogo próprio que está tentando criar seu legado e aprendendo com as boas ideias do passado.
A lucidez da arte
Já comentei sobre a ambientação e a sua construção nos parágrafos anteriores, mas vale a pena exaltar a arte dos desenhos e dos cenários de Asleep porque o capricho é impressionante e valioso.
A primeira vez abrindo o diário da Analu foi uma surpresa fenomenal, ver como o desenho tem personalidade e identidade, em algo tão pequeno e opcional. Sim, é possível terminar Asleep sem ver as obras mais lindas do jogo, o que definitivamente não deve ser feito. E isso segue em literalmente todas as páginas do diário, é espetacular. Aliás, as surpresas não acabam por aí não, porque o texto do diário está em português, então é possível ler diretamente da página junto do desenho, como acontece em The Last Of Us Part II com o diário da Ellie.
Este pode parecer um tópico pequeno e que uma análise “técnica” ignoraria, mas videogames são arte e, portanto, devem ser valorizados como arte. Uma análise que despreze esses aspectos não é capaz de transparecer a experiência de um jogo como ela é de fato. Asleep, felizmente, entende que a arte é fundamental e usa todo seu talento ao seu favor nesse sentido.
Pequenos probleminhas assustadores
Durante toda a experiência, Asleep se mostrou um jogo consistente, interessante e que aprendeu com grandes títulos para fazer o seu próprio mundo melhor. Devo ressaltar, entretanto, que a jogabilidade no controle não é tão fluída como no mouse, mas é totalmente jogável.
Além disso, aconteceu um problema grave na versão que tive acesso para a análise: era impossível terminar o jogo por causa de um bug em uma caixa na reta final que impedia a progressão. Ela simplesmente não me deixava descer para seguir o caminho. Por sorte, através de outro bug, consegui cair para fora do mapa sem querer utilizando uma outra caixa e descendo com a Analu em uma área sem chão, o que me permitiu acessar a base do mapa e prosseguir até o final. Notifiquei os desenvolvedores e acredito que esse problema será corrigido, mas é importante avisar para os jogadores mais ansiosos não acabarem se decepcionando, porque de fato, perto do que o jogo tem a oferecer, é um problema pequeno e que está comentado aqui por transparência e respeito para com os leitores.
Devo enfrentar o pesadelo?
Adorei a experiência com Asleep e recomendo o Ato 1 para todos, mesmo não sendo fã de divisões por episódios por causa da ansiedade pela chegada do próximo. Entretanto, se há essa ansiedade, isso significa que o jogo é interessante e vale a pena para quem gosta de point-and-click, de Clock Tower, de suspense e de jogos focados em personagens, história, ambientação e com uma arte caprichada, é uma experiência que não tem como deixar passar. Você deve se juntar a Analu para enfrentar o pesadelo!
Análise escrita por @Athena_Wofel
A cópia do jogo foi cedida pela Nuuvem em parceria com a Black Hole Games
Ótima análise, com certeza irei dar uma chance para o jogo no futuro. Uma coisa que me chamou muita a atenção, foi essa pixel art linda!